José Sarney – Ex-Presidente da República
Além de tantos mistérios que povoam a nossa história e o nosso cotidiano, a Funai excitou a nossa imaginação com a descoberta dos índios corubos, uma tribo nômade que anda nos cursos dos rios Itui e Quixito, que nunca tinha tido nenhum contato com a civilização. Seu território é a vasta reserva do vale do Javari, maior do que a França e a Alemanha juntas. O Brasil é o único país do mundo que tem índios nesse estado, parados no tempo, na Idade da Pedra Lascada. Nestes mais de 500 anos do descobrimento, a perplexidade dos índios com o machado descrita na carta de Caminha é a mesma dos corubos com a máquina fotográfica: mataram um sertanista a cacete quando disparou sua kodak.
É o mistério do tempo e do Brasil. Isso apareceu também numa Copa quando, também, estivemos mergulhados no mistério Ronaldinho. Foram ouvidas tantas versões que fiquei confuso. Uma delas é que Ronaldinho foi tomar um suco e o garçom francês, no hotel Château de Grande Romaine, em Lésigny, onde florescem gerânios e lírios, disse-lhe: se vocês ganharem a Copa, nós franceses ficaremos com o Banco do Brasil. Vejam bem: a Holanda perdeu, vocês deram o Real; a Inglaterra saiu, vocês perderam o Bamerindus para o inglês HSBC; a Espanha foi eliminada, o Excel foi absorvido pelo Bilbao Vizcaya. Então era a nossa vez: o Banco do Brasil!
Ronaldinho ficou perturbado e se sentiu mal. O resultado já se sabe.
Depois veio outro mistério. Percebeu-se que, silenciosamente, 38% das obras civis brasileiras estavam em mãos de firmas estrangeiras que se chamavam Brown, Root & Murphy, Vivendi, Compagnie Génerale des Eaux, BRP, todas silenciosas e misteriosas como os corubos. O gás já era. Nacional mesmo vão ser os nossos misteriosos índios e a banana pacova que não interessa às companhias globais.
Outro mistério ainda não desvendado é o da renúncia de Jânio. O que aconteceu naquela noite de Brasília, agosto, no Palácio da Alvorada, quando o presidente resolveu ir embora, sepultando o sonho de milhões de brasileiros que votaram na vassoura varrendo o atraso e a corrupção? Uns afirmam que ele havia bebido. Outros, que teria tido uma crise de nervos e perdido o controle. A verdade? Ninguém sabe nem vai saber. Unamuno, no seu livro “O Sentimento Trágico da Vida”, diz que a pergunta mais profunda do Novo Testamento é a de Pilatos: “O que é a verdade?”.
E o mistério Getúlio? Aquele tiro numa noite de agosto, no Rio, 1954, Palácio do Catete! Qual o verdadeiro motivo? Até a carta que ele escreveu, até hoje, tem sua autoria contestada.
Corubos, Ronaldinho, Jânio, Getúlio, bancos, teles, construção civil, tudo mistério. O que está por trás e na cabeça dos homens em tudo isso? Difícil desvendar.
Mais fácil saber o que estava pensando a cadela chow-chow, de nome Sharon, que Ronaldinho trouxe para sua amada e que, comportadamente, desceu a escada do DC-10 que pousou em Brasília com os vice-campeões, que passaram a ostentar a Medalha da Ordem Nacional do Mérito, cara condecoração brasileira possuída por Santos Dumont, Magdalena Tagliaferro, Bidu Sayão, Afonso Arinos e Bebeto, excepcionalmente concedida a menores de 25 anos, conforme estabelece o decreto de criação da Ordem.
Mistérios, tudo é mistério. Até os pobres corubos, cuja “fala bota medo na gente”, isto é, “ifan, ubi-boa-nec-tchói”, como traduziu o sertanista Nantes, da Funai.