“Entrego ao Bira a última palavra da última partida.
E a última palavra da última partida precisa ser narrada.
A última palavra da última partida não pode ser escrita.
É que o Bira, sniper dos jardins dos campos, era o locutor dos locutores. Os pés do Bira determinavam as palavras do rádio e da televisão. Bira era o dono das ondas médias, das ondas tropicais e de todas as ondas, porque o Bira era filho das ondas do rio: o Amazonas.
Mas última palavra da última partida precisa ser narrada.
Narrada assim:
“Há um relâmpago, feito apito, e do céu vem a bola. O Bira a recebe e, desta vez, não a chuta. Bira não precisa mais chutar a bola. Agora ele quer deitar com ela. Então ele a deita, afaga seus cabelos, seus braços, seus seios, as pernas e todas as vísceras da bola. Circulam pelo jardim do campo e inspecionam os limites do campo e do jardim do campo. Sobrevoam a grande área e se aconchegam na pequena. Lecionam passes, bailam como se driblassem. Inventam uma nave espacial e encontram as redes, redes que estufam ao sereno amor do Bira pela Bola e da bola pelo Bira. Bira encanta a bola e a bola encanta o Bira. Da intensidade desse amor, outro relâmpago vem do céu com a última palavra da última partida: Gol! Gol do Bira!”
Rubem Bemerguy (torcedor do E.C. Macapá)