José Sarney – Ex-Presidente da República
Prêmio Nobel e consagração histórica são sinônimos. É uma conjugação do talento, da mídia e da política. Ao tempo da Guerra Fria foi um instrumento eficaz na revelação da poderosa literatura russa, que não morrera nos anos terríveis: leia-se sobretudo Soljenitsin.
Borges, o grande Jorge Luis, sempre falado para receber o Nobel, mas nunca escolhido, quase a morrer, na última entrevista que concedeu em Paris, ouviu um jornalista indagar-lhe se não estava amargurado com a ausência do Nobel em sua biografia. Com ironia, ele respondeu que “antigamente esse prêmio era dado aos grandes escritores, de uma extraordinária obra consolidada”. Mas, agora, “era um incentivo aos jovens escritores”. Referia-se a García Márquez, certamente “Cem Anos de Solidão” e “Amor nos Tempos do Cólera” valem qualquer prêmio.
José Saramago foi de grande humildade e precisão quando afirmou que o Nobel que recebia era um reconhecimento à língua portuguesa como língua de cultura. Na modéstia do grande escritor que é, abdicava de sua extraordinária obra, ainda em plena floração, com livros como “Memorial do Convento” e “Jangada de Pedra”, para louvar a sua, a nossa língua, sempre lembrada como “nossa pátria”, no espírito do dogma pessoano.
A língua portuguesa já foi a língua dos navegantes e dos mercadores. Assim, chegou às terras do Brasil, onde encontrou um continente para ser falada. Matou dialetos, afastou o castelhano de nossas fronteiras e se impôs soberana e fantástica neste imenso continente que é o Brasil, falada por índios, mamelucos, pretos, crioulos, brancos, cafuzos, mulatos, escravos e senhores.
O Brasil afastou-se de Portugal com a Independência, mas não se libertou da língua. Repelimos sempre a língua brasileira, fiéis ao português, que na nossa Constituição, por sugestão nossa a Afonso Arinos, está consagrado como a “língua oficial” do país.
Portugal vive um grande momento de sua literatura. Depois da descoberta feita por João Gaspar Simões de Fernando Pessoa, vivemos a redescoberta de Pessoa para o mundo, como grande poeta universal. Há escritores como António Alçada Baptista, autor de um conjunto de obras que está entre o que de melhor já se escreveu em língua portuguesa em todos os tempos; Agustina Bessa-Luís, romancista do porte de Eça e Camilo; José Cardoso Pires e tantos outros. Saramago tem a glória de todos, com o instante em que se consagra a língua e todos que escrevem nesse idioma.
A Academia Sueca quis reconhecer a pátria-mãe e estamos felizes por isso. Como Pilar, essa companheira extraordinária de Saramago, reconheceu, Jorge Amado é o paradigma do que a língua portuguesa pôde representar para a cultura universal. Jorge construiu um mundo fantástico de dezenas de milhares de personagens, que é o povo dos seus romances antológicos, cujas raízes estão na cultura popular, na magia deste Brasil mestiço, onde a África, a Europa e a América fundiram-se em um mundo mítico e folclórico, imaginário e real. A obra de Jorge Amado é feita de palavras, de gentes, e eternidade.
O Brasil juntava-se a Portugal na alegria e na justiça do Prêmio Nobel a José Saramago, mas não pode esquecer que, um pouco antes, por motivações políticas, privaram a Coleção Nobel de Jorge Amado. Felizmente, isso acabou, e não faz falta ao nosso extraordinário escritor.