José Sarney – Ex-presidente da República
O reconhecimento do infortúnio que ao longo de dois séculos pesa sobre o povo judeu, discriminado, perseguido, sofrido, fez com que o mundo estivesse ao seu lado, na solidariedade pela reconstrução do seu destino.
A face trágica desse infortúnio foi o Holocausto, com os campos de concentração, as crueldades difíceis de serem imaginadas, que até hoje ferem a consciência da humanidade.
O sofrimento do povo judeu, seu destino andante, foi, a um só tempo, sua fraqueza e sua força.
Quando a civilização avançou no caminho do respeito à dignidade da pessoa, a Revolução Francesa de 1779 institucionalizou os direitos humanos, na condenação às discriminações por raça ou crença religiosa. São valores do Ocidente. O papa João Paulo 2º condenou o passado de perseguição aos judeus e pediu perdão.
Mas está longe o fim das guerras religiosas. Veja-se o que acontece na Irlanda entre católicos e protestantes, facções de uma mesma crença. No Oriente Médio, a situação é mais grave. O fanatismo não oferece espaço a nenhum gesto racional. É difícil convencer o ódio, pior ainda se for milenar.
Jerusalém é a cidade simbólica do nascimento das religiões básicas. De Abraão e seus filhos Ismael e Isaac. Da primeira igreja do apóstolo Pedro. A “Mãe das Igrejas, Santa e Gloriosa Sião”. Cidade sagrada, o lugar destinado por Deus para o homem começar a história da salvação. Dali partiram os cristãos que caminharam para o Ocidente. Os muçulmanos, de Meca, ali aportaram e se estenderam para o Oriente. Os judeus se espalharam pelo mundo inteiro, como minoria proscrita. Todas essas religiões se dividiram, criaram novos ritos, novas leituras, mas não deixaram o símbolo da cidade santa.
Jerusalém é, assim, um chão em que até as pedras creem. Espaço judeu, cristão, muçulmano. Igrejas e mesquitas, orações e lamentos.
Foi esse lugar, nesse difícil equilíbrio de crenças, que Ariel Sharon escolheu para passear, não um passeio como qualquer outro, mas como um gesto de arrogância e profanação. Para quê? Para evitar a paz, para colocar em funcionamento a máquina do fanatismo, do ódio, da provocação. Também causava grande dano à imagem de Israel, que não pode ser associada ao fuzilamento do menino que, tomado de pavor, agasalhava-se no pai e pedia para viver. Com a centelha acesa por Ariel Sharon, surgia o conflito atual, a paz no Oriente Médio retrocede. Netanyahu brutalmente matou o processo de paz iniciado pelo mártir Rabin e causou grande dano à imagem de Israel. Temo que a escalada da violência na Cisjordânia também o faça.
Israel tem o direito de defender-se, mas não deve fazer o jogo dos seus inimigos eternos, justamente dando a eles o seu símbolo, com o qual teve e tem a solidariedade mundial: a injustiça da sua causa, marcada pela perseguição.
Barak e Arafat tinham grandes dificuldades para administrar a convivência dos seus extremismos. Era chocante ver aquele povo palestino, sem comida, sem nada, tendo somente as pedras do ódio como motivação da vida.
A palavra “paz” ainda hoje clama por ser ouvida.