José Sarney – Ex-presidente do Brasil –
Estamos discutindo muitas reformas. Desejamos reformar tudo. Aliás, essa é uma doença nacional, que vem desde os meados do Império, quando o Conselheiro Nabuco lançou o slogan “Reforma ou Revolução”.
Mas também esse tema não criou paixão e divisões somente no Brasil: basta lembrar a discussão ideológica na Alemanha, nos primórdios do comunismo, entre Rosa Luxemburgo e Bernstein.
Contudo, minha impressão é a de que essa palavra reforma está um pouco, ou bastante, envelhecida, porque há uma confusão entre o conserto das coisas, conforme a necessidade, e a palavra reforma, que tem uma conotação ideológica. É um pouco como essa discussão sem sentido de direita e esquerda, que nasceu no plenário da Assembleia Nacional Constituinte de 1789, na França, onde o terceiro estado ocupou a esquerda, e a nobreza e o clero, a direita da presidência, na questão do direito do Rei ao veto.
A verdade é que o Brasil tomou o gosto de falar mal de si próprio. O País, que já foi motivo de grande orgulho nacional para o seu povo, por sua riqueza, suas belezas e pela índole de sua gente, passou a uma fase que, apesar de atual, já vem de alguns anos, de vangloriar-se das mazelas, às vezes exacerbadas, construídas pelo interesse dos envolvidos no debate.
Essa maldição de falar mal do Brasil é uma atitude política, que foi espalhada pela América Latina, em quase todos os países, para provocar uma insatisfação interior, que leva ao desejo de revolta e destruição da sociedade em que se vive.
Eu, do meu lado, não tenho mais idade de ser pessimista, nem motivos de tê-lo sido, porque continuo, ontem e hoje, tendo grande amor e veneração pelo meu País. Recordo-me, e se não me engano já citei isso, de que eu estava com Alçada Baptista, o grande escritor português, de Peregrinação Interior, quando ele me disse que tinha orgulho de ser português, acrescentando:
“Calcule se Deus me tivesse feito mulher no Afeganistão, sujeita a andar de burca e sem nem poder mostrar meus pés? Aí seria um desastre. Não por ser mulher, que seria sempre a sedução dos homens, mas por usar burca e nem poder deixar minha beleza ser desejada.”
No meu caso, como já disse, se não fosse brasileiro, quereria ser brasileiro. Sem esquecer de nascer no Maranhão, onde minha Pátria começa.
Li, em Delfim Netto, para citar a fonte, que o Brasil foi o País que mais cresceu no mundo no século passado. E acrescento que conseguimos ser a 8ª economia mundial aqui, nesse cul-de-sac, na América Latina, onde não passa fluxo nem econômico, nem tecnológico mundial. A verdade é que, quando vemos os países desenvolvidos, não consideramos a nossa diferença, para muito melhor, na solução de problemas que já resolvemos — e eles não resolveram.
Não temos questão de religião, de fronteira, de raça, de imigração massiva, nem de emigração. Todos os nossos problemas são conjunturais, fazem parte da vida, que vamos resolvendo.
Assim, a reforma política, se não passar agora, passará amanhã. Isso se aplica a todas as outras chamadas “reforma”, que nada mais são do que acomodação de placas tectônicas.
A Lava Jato está servindo para aumentar essa descrença, essa falta de autoestima. Como tudo no mundo passa, também ela passará. E o Brasil continuará seu caminho de grandeza.
Já no passado, Affonso Celso escreveu um livro Porque me ufano do meu país. Mas suas considerações são de natureza absolutamente diversa das que hoje temos. Ele fala do clima, das nossas belezas, da nossa superioridade territorial. E temos uma coisa mais bela do que tudo isso: a miscigenação, que criou a mulata e a nissei, o Juruna e o cacique Raoni, a Marta Rocha e o Grande Otelo.
Assim, “Seu Peru” e “Cacilda”, de Chico Anysio, à parte: Viva o Brasil!