José Sarney – Ex-Presidente do Brasil –
As palavras, como as pessoas, têm sua vida, nascem, exploram sua juventude e morrem no desaparecimento do uso. Algumas, intencionalmente; outras, em razão mesmo do desgaste.
Recordo-me a primeira vez que ouvi a resposta a pergunta que fiz: “Como está nosso amigo comum, Eurico? Ele me respondeu: “Joia.”
Eu nunca tinha ouvido essa palavra com esse significado. Depois, foi massificada como expressão de bem-estar.
Outro amigo meu, quando viajei a Nova York e lá comentavam sobre o Brasil, me disse:
— É o país mais legalista do mundo. Quando se pergunta até sobre as pessoas:
— Como vai?
A resposta vem rápido:
— Tá legal.
Isso mostra nosso apreço à lei e a condenação a tudo que está fora dela.
Que grande hipocrisia pensar assim! Tá legal não tem explicação. É tá legal, e se aplica a muitas coisas.
Agora, a moda e a palavra que entraram em circulação foi delação, que passou a ser ofensiva para aqueles juízes que levam o pobre coitado a mostrar uma fraqueza de conduta. O delator hoje é colaborador. A primeira vantagem que ele tem ao delatar é trocar de conceito: de pessoa de conduta ultrajante para pessoa de conduta heroica.
A palavra também é objeto de consumo: consome-se até, como a própria moda, deixar de ser moda. A juventude, esta, tem o seu vocabulário próprio.
E eu, outro dia, tomei conhecimento da minha ignorância do vocabulário jovem quando perguntei a um filho meu se gostava de skate, ele me respondeu: “Meu tio, é massa.” Eu, inocentemente, perguntei “Massa de quê?” “É massa, meu tio. O senhor não sabe o que é massa?”
Recordo-me, com saudades, de uma palavra que o velho Nascimento Morais, meu companheiro de redação no jornal O Imparcial e notável figura do jornalismo maranhense, me passou num conselho: quando quiser escrever uma catilinária sobre alguém, comece com a palavra sevandija. Se não tiver sevandija, não é lapada nas costas. Mas ela já desapareceu. E eu mesmo, com saudades dela, tenho receio de empregá-la para não parecer esnobe e querer obrigar a consulta a um dicionário.
Tive um colega na Academia Maranhense de Letras que tomou parte numa discussão levantada pelo Professor Mata Roma sobre semântica.
Ele levantou-se e recitou os versos de Bilac: “Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas.” E concluiu: “Olhe o jogo da semântica.” Nem ele sabia o que era semântica. O velho Mata Roma disse: “Aqui não quero falar mais. Encerro minhas considerações nesse momento.” E ficamos, em nosso cotidiano na Academia, de vez em quando, a olhar para o outro colega e dizer: “Olhe o jogo da semântica.”
Domingos Vieira Filho teve a pachorra de coletar palavras do nosso linguajar. Escreveu um livro excelente A linguagem popular do Maranhão. Nela encontramos algumas expressões que já estão mortas, como, para citar uma erudita, machavelismo, que nada mais é do que a cultura chegando ao povo. Vem de Maquiavel e maquiavelismo. Além das eruditas, há as populares: canto, cruzeta, qualira.
Quero encerrar essas lembranças e brincadeiras com palavras repetindo uma nova expressão, que circula hoje entre os jovens e até entre os velhos: “Tô de boa.”