23 de novembro de 2024
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Jose Sarney – Ex-Presidente da República

Energia no ano 2000 era a “big word”. A palavra que estava presente a toda hora, sinônimo de vigor, de superatividade, de eficácia e de falta dela. Quantas vezes ouvimos, sobre pessoas carismáticas, a expressão: “Ela passa energia”? Já energético é para aquilo que incorpora a energia absoluta, que transmite força e terminou no mercado como adjetivo aditivo de refrigerante da moda.

Quando nasci, em 1930, e foi em Pinheiro, bela cidade nos confins da Baixada do Maranhão, terra de campos e lagos, onde o verde não se põe, ninguém sabia da existência de energia elétrica. Só da cósmica, a qual, diziam os filósofos, e Aristóteles era um deles, não aumenta nem diminui, sempre está em mutação, tendo o Sol como carro-chefe, passando por nossos corpos, pelas plantas, pelos bichos e por tudo o mais que existe. É a chave do universo. Com essa ninguém quer nada. Não falta. O problema é a outra, transformada em eletricidade desde que Faraday descobriu a indução magnética, que é produzida em nossas hidroelétricas utilizando o mesmo sol que vaporiza a água, a água que volta na chuva, a chuva que forma os rios, os rios que caem nas cachoeiras, as cachoeiras que são represadas, os reservatórios e as barragens que se formam para o milagre de transformar a energia da água em energia elétrica, que, por sua vez, esquenta a água de nossos chuveiros, tudo energia e matéria.

Mas não é dessa energia nem da teoria sobre ela que se fala hoje, é da outra, a energia elétrica, que faz parte de nosso cotidiano e de nossa vida. Uma das grandes descobertas do homem, junto com a roda, o chinelo, o cafuné, o urinol, foi, sem dúvida, a vela, cujos ancestrais são a tocha medieval e a lamparina renascentista. Nada vejo de desmoralizante, em tempos de modernidade, em usarmos a vela. Ela aquece os deuses na oração, inspira e ilumina devoções.

Houve um tempo, no Brasil, em que eu fui responsável por tudo, pela falta de chuva e pelas enchentes. Na visão das responsabilidades passadas, estou escapando com os números de 85 a 89, quando aumentamos em 24,1% a produção de energia, o maior índice em qualquer período governamental e, silenciosamente, o Brasil ultrapassou a Itália e a Inglaterra. Nosso potencial passou a ser o maior de toda a América Latina somada. Investimos 50 bilhões de dólares – em valores atualizados. Mas, naqueles anos, o que brilhava era a fábrica de sonhos montada na Constituinte de 88, que terminou na Constituição cidadã, já objeto de mais de duzentas emendas para reformá-la e a grande responsável pela debilidade e fraqueza das instituições nacionais.

Mas já começamos a recolher histórias do racionamento. Padre Munaro, de Sorocaba, poupando energia, apagou as luzes da igreja de São Lucas. Um ladrão ali entrou e, no escuro, não conseguiu roubar nada. Com uma vela, só descobriu algumas garrafas de vinho de missa.
Bebeu duas, embriagou-se e, pela madrugada, foi encontrado pelo pároco, dormindo à luz da vela.
Padre Munaro concluiu: “Este vinho é muito licoroso, tonteia e é muito bem feitinho!…”.
Com o racionamento por falta de água, a igreja de São Lucas é roubada por um pau-d’água.

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